Introdução
Quando falamos de Vigotski, geralmente lembramos das suas ideias sobre o desenvolvimento humano e o papel da linguagem na aprendizagem. Mas existe um lado menos conhecido da sua obra, mas muito potente, que é a Defectologia, a qual se refere ao estudo do “defeito”.
Defeito?! Esse nome pode soar estranho hoje, mas na época de Vigotski, era o termo usado para se referir àqueles aspectos do desenvolvimento que se manifestam atipicamente, assim a Defectologia era o estudo e acompanhamento de pessoas com deficiências.
Entretanto, diferentemente do que havia em sua época, Vigotski estudou esse tema entendendo que grande parte das dificuldades que pessoas com deficiência atravessam se deve à falta de suporte social. Em vez de olhar para a deficiência como um problema a ser consertado, Vigotski enxergava o potencial de desenvolvimento que existia no indivíduo com deficiência a partir da organização intencional das mediações.
Defectologia: entendendo mais a fundo
Para Vigotski, uma limitação (como uma perda sensorial, por exemplo) não definia a pessoa por completo. Pelo contrário: poderia até abrir caminhos diferentes de crescimento, desde que essa pessoa fosse acolhida, estimulada e incluída em seu meio social, recebendo as condições materiais necessários para se desenvolver. Nosso querido psicólogo soviético acreditava que o desenvolvimento humano é sempre possível, mesmo quando há obstáculos!
A defectologia, matéria fundamental para você é que é psicólogo clínico histórico-cultural, tem ideia e conceitos dos quais você precisa sempre se lembrar quando pensar sua atuação na perspectiva histórico-cultural, são eles:
- Situação social de desenvolvimento
- A dialética saúde-doença
- Compensação
Entenda um pouco mais sobre essas noções da Defectologia a seguir!
Situação social de desenvolvimento
Vigotski tinha o entendimento de que nosso desenvolvimento é concreto, isto é, fruto das nossas relações sociais e dos acessos que temos ao longo da vida ao que a humanidade produziu. Dessa forma, a depender dessa complexa equação, podemos ou não ter um desenvolvimento psicológico saudável, que nos fortaleça com os instrumentos da cultural e com o fortalecimento de nossas funções psicológicas superiores.
Essa noção de que nos desenvolvemos em uma situação social de desenvolvimento muda tudo quando paramos para pensar a deficiência, pois a ideia é que, mesmo indivíduo que possuem limitações biológicas podem se desenvolver e ampliar seu nível de desenvolvimento, precisando tão somente das condições sociais necessárias para tal! Ou seja, o desenvolvimento é muito mais social do que biológico”
A dialética saúde-doença
Na Psicologia Histórico-Cultural, precisamos entender que não existe nada que seja somente adoecimento. Luria, em seu livro Fundamentos de Neuropsicologia, explica que há sempre aspectos do psiquismo preservados, mesmo naquelas situações em que o adoecimento psicológico ou neuropsicológico é o mais agudo possível. Assim, há âncoras de saúde no psiquismo convivendo com os aspectos despotencializados.
No caso do estudo das deficiência, isso significa que devemos buscar no funcionamento mental de indivíduos com deficiência aqueles elementos que permanecem saudáveis e não comprometidos, o que pode ser desde uma função psicológica superior até mesmo relações ou espaços desenvolvidas e frequentados pelo nosso paciente. Sempre haverá um elemento de saúde com o qual poderemos trabalhar no sentido de promover generalização.
Compensação
Dos três, talvez este seja o mais importante! Pois não só aponta que podemos nos desenvolver com as condições concretas necessárias e que há saúde no meio do adoecimento, mas que nossos caminhos, condutas e mecanismos podem ser desenvolvidos na relação clínica. Aqui, compensar significa construir através das mediações novas formas de lidar com os desafios que se apresentam após prejuízos no psiquismo, os quais podem derivar do desenvolvimento de um transtorno mental ou até mesmo de um acidente que tenha acometido o paciente.
E o que isso tem a ver com a clínica histórico-cultural?
Absolutamente tudo! Porque nós, psicólogos clínicos histórico-cultural, não atendemos apenas um diagnóstico ou uma “falta” — mas sim um indivíduo humano, com história, emoções e capacidades únicas. Nosso trabalho passa a ser o de criar pontes, mediar intencionalmente processos, construir juntos novas formas de existir no mundo.
A Defectologia de Vigotski nos convida a sair de uma lógica de “normalidade” para entrar numa lógica de possibilidades de desenvolvimento. Nos lembra que ninguém se desenvolve sozinho e que a organizar intencionalmente mediações clínicas nos permite ir além dos limites impostos pela biologia e pela patologização da vida
Mais do que um conceito antigo, a Defectologia é um convite atual: para enxergar cada sujeito nas suas singularidades, e no seu potencial de desenvolvimento. A Psicologia clínica Histórico-Cultural ganha com a defectologia nossas estratégias conceituais e práticas para ser o que ela é, uma clínica do desenvolvimento, da transformação e da autononomia.
Conceitos como situação social de desenvolvimento, dialética saúde-doença e compensação nos descolam da clínica tradicional com pessoas com deficiência e nos posicionam frente à responsabilidade de lutarmos pelo acesso integral de cada indivíduo à herança cultural, material e histórica desenvolvida pela humana, a qual é necessário que tenhamos acesso para que acessemos amplas possibilidades de nos desenvolver.
A clínica histórico-cultural é uma terapêutica com foco na análise qualitativa e com interesse nas possibilidades únicas que cada indivíduo humano pode ter dentro de um contexto social específico e em um tempo histórico definido!
Gostou do assunto e quer se aprofundar mais? Recomendamos a leitura do 5º volume das Obras Escolhidas de Vigotski, Fundamentos de Defectologia.
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O Instituto Veresk é um coletivo de psicólogos histórico-culturais apaixonados pela teoria de Vigotski na clínica, composto por Neto Oliveira (Diretor Geral), Brenna Santos (Coordenadora Pedagógica) e Mylene Freitas (Coordenadora de Marketing). Contamos ainda com a referência e consultoria da Prof. Dra. Ana Ignez Belém Lima, precursora da Psicologia Clínica Histórico-Cultural no Brasil.
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